quarta-feira, 24 de abril de 2019

The Gary Moore Band - Grinding Stone [1973]



Por Daniel Benedetti
Robert William Gary Moore nasceu em 4 de abril de 1952, em Belfast, na Irlanda do Norte. Seja no Blues ou no Rock, Gary ficaria conhecido pelo seu talento ao tocar guitarra. Moore cresceu em um lugar chamado Castleview Road, ao leste de Belfast, como um dos cinco filhos do casal Bobby, um promotor de eventos, e Winnie, uma dona de casa. Ele deixou a cidade quando era adolescente, por causa de problemas familiares (seus pais se separaram um ano depois) bem como pelo início de conflitos separatistas que começaram na Irlanda do Norte, ao final dos anos 1960.
Moore aprendeu a tocar ainda muito jovem, em um velho e acabado violão, aos dez anos de idade. Ele começou a se apresentar bem cedo, fazendo sua estreia ao vivo em uma banda de escola, durante o intervalo de um dos shows promovidos por seu pai. Ganharia sua primeira guitarra de qualidade (uma Fender Telecaster) aos 14 anos e aprendeu a tocar o instrumento da maneira padrão, mesmo sendo canhoto.
Em 1968, aos 16 anos de idade, Gary Moore se juntaria à banda Skid Row, em Dublin, na República da Irlanda. O grupo era composto por Brendan Shiels no baixo, Noel Bridgeman na bateria, Bernard Cheevers na guitarra e Phil Lynott nos vocais. Foi nesta época em que a amizade entre Gary Moore e Phil Lynott, o notável líder do Thin Lizzy, surgiu. Em pouco tempo, o Skid Row se reduziria a um Power Trio, com Gary Moore na guitarra, Brendan Shiels no baixo/vocais e Noel Bridgeman na bateria. Eles lançariam dois discos, Skid, de 1970, e 34 Hours, no ano seguinte.
Em 1970, o Skid Row faria uma turnê em que foi banda de abertura para o Fletwood Mac e ali Gary Moore conheceu o guitarrista Peter Green, surgindo uma admiração mútua entre eles. (Em 1995, Gary Moore lançaria um álbum em homenagem a Peter chamado Blues for Greeny).
Em dezembro de 1971, Gary Moore sairia do Skid Row, mas foi na época em que esteve no conjunto, excursionando pelos Estados Unidos e Europa, que o guitarrista ganhou reputação perante a indústria musical.
Fora do Skid Row, Gary Moore resolve lançar sua carreira solo. Sob o título de The Gary Moore Band, sairia seu primeiro trabalho solo, Grinding Stone. A gravadora responsável foi a CBS (Columbia) e a produção ficou a cargo do lendário Martin Birch.
Além de Gary Moore nas guitarras e vocais, o álbum conta com o baixista John Curtis e o baterista Pearse Kelly. Os teclados são providenciados por Jan Schelhaas, o qual, futuramente, tomaria parte em formações de bandas como Caravan e Camel. Todas as canções são composições autorais de Moore. O disco viria ao mundo em maio de 1973.
A faixa-título, “Grinding Stone”, abre os trabalhos em um esforço instrumental que supera os 9 minutos de duração. A sonoridade está baseada em um frenético Hard Blues Rock, mas repleto de balanço e swing, em que a guitarra de Moore é a grande protagonista. “Time to Heal” se mantém com um pé no Blues e outro no Boogie, com o Rock como amálgama, tendo os teclados bem proeminentes.
“Sail Acroos the Mountain” é uma balada de andamento bem arrastado e conta com vocais bem emotivos de Gary. “The Energy Dance” possui pouco mais de 2 minutos e é uma canção totalmente experimental.
“Spirit” é a grande peça central de Grinding Stone, superando a casa dos 17 minutos de duração. Novamente, assim como em sua antecedente, seu caráter experimental é notável, com o Rock Progressivo – e suas mudanças de dinâmicas características – consubstanciando uma de suas marcas. A presença de melodias dotadas de balanço, a existência forte da percussão e uma clara influência Funk, em suma, fazem de “Spirit” uma faixa única e essencial para o álbum.
A canção de encerramento é “Boogie My Way Back Home”, a qual faz jus ao nome, e demonstra a grande influência que o Blues teria na carreira de Gary Moore.
Grinding Stone é um disco que apresenta como o Blues e o Hard Rock teriam influência na carreira de Gary Moore, mas a palavra experimental pode ser bem aplicada neste caso. O Boogie Rock e o Rock Progressivo são presenças constantes em diferentes músicas, bem como a de melodias com um certo ‘balanço’, uma dose generosa de ‘swing’. Em outras palavras e até mesmo por conta de ser sua estreia solo – e em uma idade ainda tão jovem – Grinding Stone se mostra uma obra de um músico em busca de uma identidade, tanto em termos de composição quanto na sua forma de cantar – e, porque não – de tocar guitarra. O talento está lá, em estado bruto, mas ainda carecendo de lapidação.
Desta maneira, se há um verdadeiro petardo como “Spirit”, o disco também oscila em composições menos atraentes como “Sail Acroos the Mountain”. Contudo, o saldo final é bem positivo. Musicalmente, pode-se considerar que Grinding Stone seria um meio termo daquilo que Gary Moore fez no Skid Row e realizaria no soberbo Colosseum II.
Comercialmente, o álbum não fez sucesso e praticamente não repercutiu nas principais paradas de sucesso do mundo.
Entre o fim de 1973 e o início de 1974, Phil Lynott recrutaria Moore para substituir o guitarrista Eric Bell, em seu Thin Lizzy, com a missão de completar a turnê do grupo então em andamento. Moore permaneceria na banda até abril daquele ano, chegando a gravar a guitarra solo de “Still in Love with You”, presente no disco Nightlife, do Lizzy, lançado em 1974. Já em 1975, Gary Moore faria parte do Colosseum II, no qual ficaria até 1978. Um segundo álbum de estúdio, como artista solo, só seria lançado em 1978, com Back on the Streets.
Grinding Stone permanece como uma obra pouco divulgada e, até mesmo, menos conhecida na vasta discografia do ótimo Gary Moore. Mas, pelo que se apontou acima, é um trabalho que merece uma apreciação até mesmo para que o leitor tenha sua opinião sobre o disco.
Tracklist
1. Grinding Stone (instrumental)
2. Time to Heal
3. Sail Across the Mountain
4. The Energy Dance (instrumental)
5. Spirit
6. Boogie My Way Back Home
Gary Moore ao centro, junto ao Thin Lizzy.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Savatage - Dead Winter Dead [1995]


Por Daniel Benedetti
Once Brothers é um documentário da série 30 for 30, da ESPN norte-americana, que conta a história de dois jogadores da seleção iugoslava de basquete, Vlade Divac e Drazen Petrovic, os quais serviram, juntos, ao time nacional de 1986 a 1990 e também jogariam na liga norte-americana, a NBA.
Divac e Petrovic acabariam por se tornarem muito amigos, e, como atletas, pela seleção nacional, disputaram (e perderam) a final olímpica da modalidade, em 1988, na Coreia do Sul, e foram campeões mundiais em 1990, no Mundial disputado na Argentina.
Além disso, o documentário percorre o momento em que Vlade Divac chega à NBA, em 1989, para jogar no Los Angeles Lakers, time que contava com várias estrelas, entre elas, o lendário Magic Johnson. Ao mesmo tempo, Drazen Petrovic chegava ao Portland Trail Blazers, mas sem o mesmo impacto inicial de Divac. O documentário narra como Divac auxiliou Petrovic na adaptação a nova vida nos Estados Unidos.
Divac e Petrovic, no Mundial da Argentina, em 1990.
Mas havia um “pequeno” detalhe que separava Divac e Petrovic. Eram, sim, ambos nascidos na Iugoslávia, mas Divac era sérvio e Petrovic, croata. Quando a Guerra Civil Iugoslava floresceu, em março de 1991, a amizade se desfez.
Entre 1991 e 2001, a antiga Iugoslávia foi palco de uma sangrenta Guerra Civil, a qual não apenas desmantelou o país em vários outros menores, mas deixou uma carnificina de mais de 140 mil mortos. Croatas, eslovenos, bósnios, albaneses e sérvios, por razões étnicas, políticas e religiosas, entraram em um conflito que marcaria a história por vários casos de genocídio e limpeza étnica. Um horror.
Mas o que isto tem a ver com um site de Rock?
Dead Winter Dead, nono álbum de estúdio da banda norte-americana Savatage, é um álbum conceitual que conta a história do encontro de um garoto sérvio com uma menina muçulmana e que tem como pano de fundo os eventos da guerra na Bósnia. O disco foi lançado em outubro de 1995, durante o auge dos eventos da Guerra Civil Iugoslava.
Para as gravações, o grupo continuava com seu líder, o tecladista e membro fundador, Jon Oliva, e o vocalista Zachary Stevens, ambos remanescentes do trabalho anterior, Handful of Rain, lançado um ano antes.
Em Dead Winter Dead, o baixista Johnny Lee Middleton retorna ao grupo, assim como o guitarrista Chris Caffery (este, ausente desde Gutter Ballet, de 1989). Na bateria, Jeff Plate substitui Steve Wacholz.
O guitarrista do grupo em Handful of Rain [1994] foi o ótimo Alex Skolnick, mais conhecido pelo seu trabalho com o Testament, mas que optou por não continuar com o Savatage. Desta forma, a gravadora decidiu que a banda precisava de um segundo guitarrista (e mais conhecido) e, assim, Al Pitrelli, o qual havia sido guitarrista de Alice Cooper na turnê Trashes The World, foi adicionado à formação. O produtor Paul O’Neill continuava auxiliando Jon Oliva com as letras e nas composições.
“Overture” prepara o clima para “Sarajevo”, uma faixa curta e melancólica. “This is the Time (1990)” é uma boa balada, a qual parece retirada de um musical, e que conta com um refrão bem forte. Liricamente, é o início da história, quando o protagonista, o sérvio Srdjan Aleskovic, vê a queda do Muro de Berlim, o fim do comunismo que dominava a Iugoslávia e a possibilidade de um futuro altamente promissor para a nação.
A quarta música é “I Am”, a qual apresenta vocais bem agressivos de Jon Oliva e é a mais pesada do trabalho até então. Ela narra como Srdjan Aleskovic se une a uma milícia sérvia que se encontra nos arredores de Sarajevo, a capital da Bósnia, atacando-a. “Starlight” é pesada e intensa, com as guitarras muito proeminentes enquanto “Doesn’t Matter Anyway” desponta com vocais de Jon Oliva, o qual a canta de um ‘modo rap’ ao mesmo tempo em que o instrumental oferece um peso considerável. As duas canções contam como a personagem Katrina Brasic, uma jovem bósnia muçulmana, compra armas de um grupo de mercadores e se junta a seus companheiros, nas colinas ao redor da cidade, para um combate.
“This Isn’t What We Meant” alterna momentos de calmaria e de peso, com ótimos vocais de Zachary Stevens, contando o retorno de um senhor que havia deixado a Iugoslávia há várias décadas. Já é o fim de 1994 e ele encontra sua cidade natal em ruínas, inconformado com o fato de que não era esta mudança pela qual os iugoslavos rezavam.
A instrumental “Mozart and Madness” se constitui pesada e mais intricada, com uma sensível influência progressiva. Ela representa o senhor ancião que, à noite, em vez de se abrigar dos bombardeios que atacavam Sarajevo, ia para as ruínas da principal praça da cidade, onde antes havia uma fonte, com seu violoncelo, tocar Mozart. Srdjan e Katrina encontram-se perdidos e envoltos em pensamentos ao ouvir a música do ancião, representada em outra faixa instrumental, a pequenina “Memory”.
Al Pitrelli
“Dead Winter Dead” retorna com o Heavy Metal e riffs pesados (possivelmente a melhor composição do disco), representando que nem mesmo o rigoroso inverno consegue amenizar a brutal violência desta guerra. “One Child”, novamente, opta por oscilar entre leveza e peso, tristeza e raiva, que oferecem precisamente a reação de Srdjan ao patrulhar uma escola atacada por um bombardeio e encontrar cadáveres de crianças. Inconformado com a estupidez da guerra ele decide desertar-se.
A belíssima instrumental “Christmas Eve (Sarajevo 12/24)” constitui o momento em que Srdjan e Katrina, em lados opostos da guerra, estão ambos ouvindo o velho ancião tocando canções natalinas na noite de natal. Os dois vão, instintivamente, até a praça da cidade. Chegando exatamente no mesmo momento, eles se veem. Percebendo que ambos estão lá pelo mesmo motivo, eles não começam a lutar, mas caminham juntos vagarosamente até a fonte. Lá eles encontram o ancião deitado, morto na neve, seu rosto coberto de sangue, seu violoncelo deitado e esmagado ao seu lado.
A derradeira música do álbum é “Not What You See”, uma balada com boa carga emocional, demonstrando Srdjan, estarrecido pelo que viu naquela noite, decidindo que deve abandonar a guerra imediatamente. Virando-se para a garota muçulmana, ele pede que ela vá com ele, mas agora tudo o que ela observa é o seu uniforme sérvio. Expondo seus sentimentos, ele explica que ele não é o que ela vê. Eventualmente, ganhando-a para o seu lado, eles deixam a noite.
Comercialmente, o trabalho não causou tanto impacto. O disco atingiu as modestas 68ª e 80ª posições nas principais paradas de sucesso do Japão e Alemanha, respectivamente.
A sonoridade do álbum tem como base o Heavy Metal (Doesn’t Matter Anyway”), com influência consistente de Progressivo (“Mozart and Madness” e “One Child”) e, claramente, dos musicais norte-americanos como se ouve em “This Is the Time (1990)” e “Not What You See”.
O maior mérito de Dead Winter Dead está na ótima coesão da mensagem, ou seja, as canções representam de maneira precisa a história que se está contando. Particularmente, mesmo considerando um álbum de grandes virtudes, pensa-se que Dead Winter Dead está abaixo de outros trabalhos do Savatage como Hall of the Mountain King, de 1987, e The Wake of Magellan, de 1997, verdadeiras referências da alta qualidade do grupo.
Como foi afirmado, a Guerra Civil Iugoslava deixou mais de 140 mil mortos e alguns milhões de refugiados. Oficialmente, ela terminou em 12 de novembro de 2001, mas alguns de seus desdobramentos se prolongariam ao longo das décadas seguintes, como a independência do Kosovo, declarada apenas em 2008 e ainda com reconhecimento limitado. Além disso, o país se fragmentou em várias repúblicas diferentes, como se vê abaixo:
O líder sérvio da época, Slobodan Milošević, foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes como genocídio, cumplicidade em genocídio, deportação; assassinatos, perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, entre diversos outros. Milošević morreu em 11 de março de 2006, enquanto estava preso, antes de sua sentença.
De volta ao basquete, Vlade Divac terminou sua carreira na NBA em 2005, com uma média de 13,39 pontos por jogo e 9,33 rebotes por partida, tendo passado pelas equipes do Los Angeles Lakers, do Charlotte Hornets e do Sacramento Kings. Quanto a Drazen Petrovic, recomenda-se que se assista ao excelente Once Brothers e descubra o final da história!
Tracklist
1. Overture (instrumental)
2. Sarajevo
3. This Is the Time (1990)
4. I Am
5. Starlight
6. Doesn’t Matter Anyway
7. This Isn’t What We Meant
8. Mozart and Madness (instrumental)
9. Memory (instrumental)
10. Dead Winter Dead
11. One Child
12. Christmas Eve (Sarajevo 12/24)
13. Not What You See
Savatage em 1995